Caros Amigos,
Hoje, o Blog trata do HC 125.101/SP, no qual a Segunda Turma do STF
decidiu que o arquivamento de inquérito em virtude da ocorrência de causa
excludente de ilicitude não faz coisa julgada material, pelo que pode haver
propositura de denúncia, caso haja novas provas.
Neste sentido:
Habeas
corpus. Processual Penal Militar. Tentativa de homicídio qualificado (CP, art.
121, § 2º, inciso IV, c/c o art. 14, inciso II). Arquivamento de Inquérito
Policial Militar, a requerimento do Parquet Militar. Conduta acobertada pelo
estrito cumprimento do dever legal. Excludente de ilicitude (CPM, art. 42,
inciso III). Não configuração de coisa julgada material. Entendimento
jurisprudencial da Corte. Surgimento de novos elementos de prova. Reabertura do
inquérito na Justiça comum, a qual culmina na condenação do paciente e de
corréu pelo Tribunal do Júri. Possibilidade. Enunciado da Súmula nº 524/STF.
Ordem denegada.
1. O
arquivamento de inquérito, a pedido do Ministério Público, em virtude da
prática de conduta acobertada pela excludente de ilicitude do estrito
cumprimento do dever legal (CPM, art. 42, inciso III), não obsta seu
desarquivamento no surgimento de novas provas (Súmula nº 5241/STF). Precedente.
2.
Inexistência de impedimento legal para a reabertura do inquérito na seara comum
contra o paciente e o corréu, uma vez que subsidiada pelo surgimento de novos
elementos de prova, não havendo que se falar, portanto, em invalidade da
condenação perpetrada pelo Tribunal do Júri.
3. Ordem
denegada.
(HC
125101, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Relator(a) p/ Acórdão:
Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 25/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-180 DIVULG 10-09-2015 PUBLIC 11-09-2015)
Primeiramente, há que se salientar a inexistência
de unanimidade na decisão, tal como ocorrido em outro julgado sobre a matéria (abaixo citado). Neste
caso, o Min. Teori Zavaski, relator, entendeu pela concessão da ordem, ficando vencido
ao final.
Vamos aos entendimentos de cada Ministro para
compreender melhor a questão.
O Min. Teori entendeu que, caso o arquivamento seja
requerido com base na inexistência de arcabouço probatório mínimo para
recebimento da denúncia, tal decisão não faz coisa julgada material. Logo, o
caso pode ser reaberto se apresentadas novas provas (Ar. 18 do CPP, combinado
com a Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal).
Não seria este o caso, contudo, se houvesse
arquivamento pelo fato não constituir crime, o que, dentro do conceito
analítico do delito, implicaria no reconhecimento de coisa julgada tanto nos
casos de atipicidade, como de causa excludente de ilicitude e culpabilidade.
No caso em debate, no qual a Justiça Militar havia
reconhecido a existência de estrito cumprimento do dever legal por parte dos
acusados, policiais militares, a questão não poderia ter prosseguido posteriormente
na Justiça Comum Estadual. De se salientar que a justiça castrense era
competente para analisar a questão na época dos fatos.
O Min. Dias Toffoli, entretanto, divergiu.
Entendeu o Ministro que o reconhecimento do
arquivamento não ocorreu com base na atipicidade, o que tornaria o fato
indiscutível, mas com fulcro na presença de excludente de ilicitude. Neste
caso, diante de novas provas, a questão poderia ser rediscutida, como já
decidido pela Primeira Turma no seguinte precedente, relativo a fatos análogos:
HABEAS
CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INQUÉRITO POLICIAL:
ARQUIVAMENTO ORDENADO POR JUIZ COMPETENTE A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, COM
BASE NO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. EXCLUDENTE DE ILICITUDE.
ANTIJURIDICIDADE. DESARQUIVAMENTO. NOVAS PROVAS: POSSIBILIDADE. SÚMULA 524 DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM DENEGADA.
1. A
decisão que determina o arquivamento de inquérito policial, a pedido do
Ministério Público e determinada por juiz competente, que reconhece que o fato
apurado está coberto por excludente de ilicitude, não afasta a ocorrência de
crime quando surgirem novas provas, suficientes para justificar o
desarquivamento do inquérito, como autoriza a Súmula 524 deste Supremo Tribunal
Federal.
2. Habeas
corpus conhecido e denegado.
(HC
95211, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em
10/03/2009, DJe-160 DIVULG 19-08-2011 PUBLIC 22-08-2011 EMENT VOL-02570-01
PP-00169)
Na sequencia, a Min. Cármem Lúcia, relatora do
julgado acima citado, acompanhou o Min. Toffoli, frisando que o pedido de
arquivamento havia ressalvado a possibilidade de novas provas, o que ocorreu.
Por fim, o Min. Gilmar Mendes acompanhou igualmente
o voto do Min. Toffoli. Apontou o Ministro julgados de sua relatoria em que o
STF reconheceu a indiscutibilidade do arquivamento em face da coisa julgada nos
casos de atipicidade e reconhecimento de prescrição (Inq. 2341 e Pet 3927).
Reconhecendo a polêmica sobre a matéria,
entretanto, entendeu se tratar de boa oportunidade para consolidá-la, pelo que
passou a dar seu novo posicionamento sobre a matéria.
Para tanto, reconheceu que, no momento do
arquivamento, a vítima ainda não teve a oportunidade de influir no feito e de
trazer elementos então desconhecidos. Por isto, em que pese não se possa
reanalisar as provas então existentes para reenquadrar fatos, inexistiria óbice
para a apreciação de novas
provas. Este, por sinal, foi o espírito que inspirou a edição da Súmula 524 do
STF, posteriormente ressalvada pelo próprio Supremo nos casos de atipicidade e
prescrição, com base na redação então vigente do art. 43 do CPP.
No tocante à atipicidade, contudo, frisou o Min.
Gilmar Mendes que o entendimento que vem sendo adotado seria equivocado, pois
podem surgir novas provas mesmo sobre tipicidade. Portanto, deve-se sempre
permitir a reanalise no caso do surgimento de novas evidências, o que estaria
de acordo com Pacto de São José da Costa Rica (art. 8, 4), que proíbe a
reanálise dos mesmos fatos
após o trânsito em julgado de decisão absolutória. Com base neste entendimento,
acompanhou o Min. Toffoli.
Do exposto, percebe-se que:
1. Aparenta ser pacífico que não se pode reanalisar
um fato posteriormente ao arquivamento sem
novas provas. Art. 18 do CPP, combinado com a Súmula 524 do STF.
2. Até o momento, prevalece no STF o entendimento
de que o reconhecimento da prescrição e da atipicidade tornam a matéria
indiscutível. A matéria, contudo, pode ser rediscutida a partir do novo
posicionamento do Min. Gilmar Mendes.
3. A jurisprudência do STF (representada pelos
julgados de dois colegiados, acima transcritos) tem sinalizado pela
possibilidade de rediscutir a matéria conhecida pelo juiz em arquivamento, caso
novas provas comprovem que não houve causa excludente de ilicitude.
Importante observação: tendência acima deve ser vista com cuidado, pois houve votos
vencidos nos dois casos citados, a comprovar que existe polêmica. Como revelado
no inteiro teor do HC 125.101, a matéria encontra-se também em discussão no
Pleno (HC 87.395/SP).
De se salientar que há julgados dos dois colegiados
criminais do STJ que não comungam da tendência preconizada no item 2, acima:
RECURSO
ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 1º, §§ 2º E 4º, DA LEI N. 9.455/1997.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. BIS IN IDEM. OCORRÊNCIA. DECISÃO DA JUSTIÇA MILITAR
QUE DETERMINOU O ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL MILITAR COM BASE EM
EXCLUDENTE DE ILICITUDE. COISA JULGADA MATERIAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA
POSTERIOR PELOS MESMOS FATOS. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO.
1. A par
da atipicidade da conduta e da presença de causa extintiva da punibilidade, o
arquivamento de inquérito policial lastreado em circunstância excludente de
ilicitude também produz coisa julgada material.
2.
Levando-se em consideração que o arquivamento com base na atipicidade do fato
faz coisa julgada formal e material, a decisão que arquiva o inquérito por
considerar a conduta lícita também o faz, isso porque nas duas situações não
existe crime e há manifestação a respeito da matéria de mérito.
3. A mera
qualificação diversa do crime, que permanece essencialmente o mesmo, não
constitui fato ensejador da denúncia após o primeiro arquivamento.
4.
Recurso provido para determinar o trancamento da ação penal.
(RHC
46.666/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em
05/02/2015, DJe 28/04/2015)
RECURSO
ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ARQUIVAMENTO
DO FEITO. RECONHECIMENTO DE CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. DECISÃO PROFERIDA
POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL PERANTE O JUÍZO COMPETENTE. IMPOSSIBILIDADE.
COISA JULGADA. PRECEDENTES.
1. A teor
do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal pela via de
habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos,
de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a
extinção da punibilidade. Precedentes do STJ.
2. No
caso, resta evidenciada essa excepcionalidade. O arquivamento do inquérito
policial no âmbito da Justiça Militar se deu em virtude da promoção ministerial
no sentido da incidência de causa excludente de ilicitude.
3. Embora
o inquérito policial possa ser desarquivado em face de novas provas, tal
providência somente se mostra cabível quando o arquivamento tenha sido
determinado por falta de elementos suficientes à deflagração da ação penal, o
que não se verifica na espécie. Precedentes.
4. Ainda
que se trate de decisão proferida por juízo absolutamente incompetente, nos
termos do disposto no art. 9.º do Código Penal Militar, porquanto praticado por
militar fora do exercício da função, produz coisa julgada material.
5.
Recurso conhecido e provido para determinar o trancamento da ação penal n.º
200420500013, em trâmite na 5.ª Vara Criminal do Tribunal do Júri da Comarca de
Aracajú/SE.
(RHC
17.389/SE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2007, DJe
07/04/2008)
É imprescindível a leitura do inteiro teor dos
julgados acima transcritos.
Fiquem conosco e indiquem o Blog a quem interessar
possa.
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